Mãe só tem uma? Nem sempre. Cada vez mais, casais de mulheres  decidem ter filhos, seja por meio de adoção ou inseminação artificial. A  notícia é que novos estudos mostram que ser criado por duas mulheres é  bom para as crianças. Por Mariana Setubal, filha de Cidinha e Paulo 
 
 
[...] Uma pesquisa do Datafolha feita no ano passado mostrou que 39% das  pessoas já são favoráveis à adoção por homossexuais, enquanto 51% são  contra. A tendência é que o grau de aprovação aumente com o tempo, já  que entre os mais jovens, entre 16 e 24 anos, a prática é apoiada por  58%, enquanto que entre os que têm 60 anos ou mais, por apenas 19%.  Quanto maior a escolaridade, menor o preconceito também. Assim como,  logo que o divórcio foi aprovado, em 1977, a preocupação com o futuro  das crianças de pais separados era grande, o mesmo acontece com os  filhos de duas mães ou dois pais. Mas, assim como é melhor ter pais  separados do que viver numa casa em que o conflito e as agressões entre  os pais são constantes, pode ser bom ter duas mães. Um estudo publicado em julho do ano passado no periódico médico  Pediatrics mostrou que filhos de mães lésbicas têm mais autoestima e  confiança, além de terem melhor desempenho na escola e menos  probabilidade de ter problemas comportamentais, como agressividade.
    
[...] Apesar desse envolvimento não ser exclusividade das mães lésbicas,  Gartrell mostra que, para elas, isso é uma prioridade. Como seus filhos  estão mais vulneráveis ao preconceito, essas mães têm mais facilidade em  abordar tópicos complicados, como sexualidade, diversidade e  tolerância. Essa base pode dar às crianças mais confiança e maturidade  para lidar com diferenças sociais e preconceitos conforme ficam mais  velhas.
[...]   Como a legislação ainda é omissa em relação à adoção por casais  homoafetivos, os casos são analisados individualmente e depende do juiz  conceder ou não a adoção. O mais comum é adotar primeiro em nome de uma  das mães e, depois, fazer o pedido para a outra também entrar no  registro como mãe. O primeiro caso de adoção por duas mães aconteceu em  abril do ano passado, na cidade de Bagé, no Rio Grande do Sul. Em  relação à inseminação artificial, o Conselho Federal de Medicina  divulgou novas regras em janeiro deste ano, possibilitando às pessoas  solteiras e homossexuais também recorrer ao método para ter filhos.
[...] Em alguns países, estimular a convivência com as diferenças, incluindo  famílias homoafetivas, é política pública. A antropóloga Érica Renata de  Souza apontou, em sua tese de doutorado intitulada “Necessidade de  filhos: maternidade, família e (homo)sexualidade”, feita em 2002, que as  escolas públicas de Toronto, no Canadá, têm programas contra a  homofobia desde a primeira série do ensino fundamental. Isso já  acontecia no Canadá há quase uma década. Por aqui, as escolas pouco ou  nada falam sobre o assunto. Os livros infantis traduzidos para o  português ou escritos por autores brasileiros também são escassos. Há  algumas publicações sobre crianças com dois pais, mas praticamente nada a  respeito de duas mães. 
[...] Mesmo sendo mães, elas cumprem funções diferentes. “Eu cuido quando ele  fica doente, e a Patrícia fica mais com a parte da diversão”, conta  Vanessa. “Sou contra chamar uma das mães de pai. A gente luta muito  pelos direitos da mulher. Fazer isso é machismo”, garante Yone Lindgren,  vice-presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,  Bissexuais, Travestis e Transexuais), mãe de Janaína, Rafaela e Wagner,  que foi assassinado há três anos (suspeita-se de um crime de homofobia).   E o tal do exemplo masculino? “Freud descrevia que é necessário que  toda criança tenha convivência com o pai e com a mãe. Aí os anos foram  passando e a gente passou a ter mães solteiras, casais divorciados, e os  filhos eram maravilhosos. Desenvolviam-se bem”, diz a psicopedagoga Claudia, que é homossexual e  mãe de Vitor, mas não quis revelar seu nome verdadeiro. “O pai  representava o que trabalhava fora, dava a regra, o limite. A mãe ficava  em casa. A mãe era a emoção, e o pai, a regra”, completa. Na opinião  dela, não precisa de duas pessoas para cumprir esse papel. Uma mulher  sozinha pode dar limites, regras e ser afetuosa. Um homem também. E um  casal homossexual também. Referenciais masculinos não faltam no mundo. Tem os tios, primos,  amigos, professores... “A gente não vive num universo só de mulheres, as  crianças lidam com ‘n’ homens na vida”, diz Yone. [...]   E não é pela falta de um homem em casa que o filho vai se tornar gay.  “O menino, se não tiver uma tendência para a homossexualidade, vai  encontrar modelos para se identificar e para formar a sua identidade”,  explica a psicoterapeuta Alina Purvinis, mãe de Larissa, Letícia e  Liana. Filhos de mães lésbicas têm a mesma probabilidade de se tornarem  gays que qualquer outra criança.
Crianças felizes
“Os filhos de casais homossexuais são crianças que respeitam mais  aquilo que é diferente. Não vão olhar torto para um cadeirante na rua,  não vão desrespeitar uma criança com necessidades especiais. Não colocam  rótulos”, acredita a psicopedagoga Claudia. A  psicóloga Lídia Aratangy, mãe de Claudia, Silvia, Ucha e Sergio,  brinca: “Já pensou duas mães em cima delas?”, mas complementa, falando  sério: “Duas mães é melhor que uma mãe sozinha sem pai”, acredita. Numa cena do seriado Friends, em que Carol, namorada de Susan, vai ter  um filho de Ross, o ex-marido de quem engravidou e de quem se separou ao  se descobrir lésbica, surgem várias brigas entre o pai e a namorada da  mãe. Susan reclama: “Você é o pai da criança! Quem sou eu? Tem dia das  mães, dia dos pais... Não tem Dia da Amante Lésbica”. E Phoebe entra na  conversa: “Quando eu era criança, meu pai saiu de casa, minha mãe  morreu, meu padrasto foi preso. Nunca pude juntar os pedaços para ter um  pai por inteiro. E essa criança tem três pais que ligam tanto para ela  que estão brigando para ver quem pode amá-la mais. E ela nem nasceu. É a  criança mais sortuda do mundo”. 
Países que permitem a união civil de homossexuais 
- África do Sul
- Argentina
- Bélgica
- Canadá
- Espanha
- Holanda
- Islândia
- Noruega
- Portugal
- Suécia
Países que permitem a adoção por homossexuais
 
- África do Sul
- Alemanha
- Argentina
- Austrália
- Bélgica
- Canadá
- Dinamarca
- Espanha
- Estados Unidos
- Holanda
- Inglaterra
- Islândia
- Israel
- Noruega
- País de Gales
- Suécia
- Uruguai